Sinopse –
A História foi publicada em 1974 e tem como cenário a cidade de Roma durante a Segunda Guerra Mundial.
Num dia de janeiro de 1941, um soldado alemão caminha pelo bairro operário de San Lorenzo. Àquela hora pouca gente se vê nas ruas.
No seu deambular sem rumo, o soldado, alto, louro e um pouco embriagado, encontra Ida, uma professora viúva, que regressa a casa depois do trabalho.
O soldado segue Ida até ao humilde andar que partilha com o filho. Viola-a e depois, com um pedido de desculpas, fuma um cigarro, sai e nunca mais saberemos dele.
Deste ato brutal, mas que a guerra torna quase banal, nasce uma criança, e a história da família judia de Ida vai encher as muitas páginas de um romance que iluminou toda a segunda metade do século XX.
Autora: Elsa Morante.
Elsa Morante nasceu em Roma em 1912, e com exceção de um período durante a Segunda Guerra Mundial, residiu em sua cidade natal até a sua morte, em 1985. Desde a idade de treze anos, Elsa Morante publica alguns textos em diversos jornais infantis, e aos dezoito anos decide se consagrar à literatura, deixando sua família e seus estudos. Colaborou com o hebdomadário Oggi de 1939 a 1941. Casou com o escritor Alberto Moravia em 1941 — o casal viria a se separar em 1962, sem jamais se divorciar — e encontrou por seu intermédio muitos dos pensadores e escritores italianos da época. Durante a guerra, ela acompanha o marido no exílio de 1943 a 1944.
Morante publicou seu romance Menzogna e sortilegio em 1948, obtendo o prêmio Viareggio; mais tarde, é laureada do prêmio Strega com seu romance L’isola di Arturo, em 1957. Ela viaja para a Espanha, URSS, China e em 1960 aos EUA, onde ela se relaciona com um jovem pintor, Bill Morrow, que se suicida em 1962. Em 1974 publicou La Storia, que suscitou polêmica, e depois Aracoeli, em 1982. Doente após uma fratura do fêmur, ela tentou se suicidar em 1983. Morante recebeu em 1984 o Prêmio Médicis por Aracoeli. Ela morre em Roma em 25 de novembro de 1985.
Vamos ao livro e resenha.
A História com grandes histórias…
Narrativa carregada de história real. Insere o leitor perfeitamente no cenário do conflito mundial. Faz sentido seu título. Fiquei com pena da Nora, “nunca sentiu o que é um gozo” e teve um fim terrível. Este é um romance genuíno.
Este livro invoca todo tipo de sentimento da nossa alma. Uma pobre professora de origem judaica é estuprada com brutalidade por um nazista. Com este trauma, desperta sua doença de espasmos que já tinha se livrado tempos atrás. Agora ela vai enfrentar dar à luz a este filho, fica nítido o medo que ela sente a todo momento. A autora com maestria consegue nos colocar na pele dessa pobre, mas muito forte, mulher. Sentimentos que arrancou de mim, raiva, ódio, revolta, tristeza e algumas alegrias com as bobeiras de Nino, Usep e Bella.
Impressionante, este livro é um resgaste da verdadeira felicidade. No meio do caos, desgraças em todo canto, ataques aliados por bombardeiros, nazistas da SS caçando Judeus. Fascistas Italianos caçando não arianos e recrutando os jovens para morte certa. Uma pequena criança consegue brincar no meio dos escombros da sua casa. Escondidos para não serem capturados as crianças divertem -se com o nada. A felicidade da pobre Ida, sua única preocupação é garantir a segurança do seu pequeno bastardo. Não sabia do que se esconder, nazistas da SS, Fascistas Italianos ou as Fortalezas Voadoras dos americanos que fazia descer o inferno sobre suas cabeças. O êxodo da população sendo levada como gado para moradias arranjadas de qualquer maneira para alojar a pária da sociedade. E no meio disso tudo, você percebe a felicidade motivada pela inocência das crianças. E até jovens mães de 13 e 14 anos que foram estupradas, tiveram os filhos e continuavam brincando, com a mente desligada do caos. Seguindo esse êxodo com seus parentes. A essa altura, ter um filho mesmo que por violação era para todos o mínimo dos problemas. Os nazistas roubam seus corpos, os Fascistas roubam suas almas e os aliados destroem seus sonhos.
Está é a vida dos cidadãos simples como nós. Que são guiados por lideranças maléficas.
Incrível como o ser humano tem uma capacidade extraordinária para adaptar. Os refugiados, Ida e seu pequeno filho. Com o passar dos dias e diversos eventos, acostumam com a vida naquele gueto. Estabelecem uma grande família com os demais refugiados.
Ao passar perto por engano de um vagão de trem carregado de seres humanos, amontoados de uma forma pior do que se transporta gado. Nossa brava mulher de origem judaica entra em pânico temendo ser descoberta. Sua única preocupação é proteger seu pequeno mestiço alemão-judeu. No meio disso tudo a autora, majestosamente, mostra os levantes comunistas, os jovens lutando contra os nazistas e fascistas. Como aquela ideia de liberdade e comunhão fortifica em um território de desgraças, isto é, os jovens queriam defender sua pátria e o comunismo com os levantes das guerrilhas, proporcionava uma opção além de esperar a morte, seja pelas mãos nazistas, fascistas ou os bombardeiros das famosas fortalezas voadoras dos EUA (O B-17 Flying Fortress). Por Roma jogava uma aquarela de sangue de diferentes povos.
Fiquei chocado, as cenas que a narrativa nos introduz é impactante. A brutalidade animalesca que os nazistas mataram duas guerrilheiras foi muito triste. A autora com maestria soube muito bem trabalha estas cenas. E as de torturas de outros guerrilheiros. Este livro, alterna entre a história dos personagens principais, mas ao mesmo tempo contém muitas micro histórias, talvez mais significantes para toda trama do que as dos personagens centrais. São tantas micro histórias que até me esqueço da trama principal. E mesmo quando a trama volta para os personagens principais, percebemos a degradação física e mental da personagem central. Devido aos horrores da guerra, fome, humilhação e exaustão. Uma professora praticando pequenos furtos para alimentar seu pequeno filho bastardo. Assim como os personagens secundários. História grande……
Amo todos personagens. Até o personagem Nino que não me agradava, passei a entender melhor suas escolhas e decisões. Ele foi solado fascista, soldado nazista, guerrilheiro comunista, anarquista e agora se tornou capitalista. Um personagem complexo, tomando muitas decisões, erradas motivadas por medos, enganos e sonhos irreais. Até o Davide que julgava um beberão depressivo. Com o tempo percebemos o quanto profundo é o personagem. Um anarquista ferrenho, judeu e de família burguesa. Para fomentar uma possível revolução resolve trabalhar em fábricas. Assim de acordo com ele, teria seu lugar de fala perante os operários e viriam ele como um irmão trabalhador. Nesse meio tempo, sua família é toda levada para os terríveis campos de concentração. É incrível como a autora vai armando uma teia é nós entregando de pouco em pouco os detalhes dessa enorme História com tantas histórias. Os relatos dos solados italianos que congelaram na Rússia, tudo muito bem feito, bem trabalhado e extremamente articulado.
Não tem coisa pior, quando você odeia um personagem, posterior quando você o entende melhor, passa a gostar e do nada ele se vai. A autora, soube muito bem articular esse tipo de sentimento. Me emocionei muito, fiquei com a sensação que fui injusto com este nobre personagem. Todas as cenas de sua vida, sua trajetória, suas humilhações, suas vitórias e frustrações. Seus desejos e sonhos. Não tem nada pior quando um personagem bem trabalhado é morto. Porque ele se torna real, na nossa mente.
A vida da Ida é uma montanha russa. Quando acaba um desespero, inicia outro pior. E contra esse, a guerra é diferente. O pequeno Usep, uma criança inteligente e esperta. O jovem poeta e sua cadela Bella, proporciona várias risadas. A cachorra babá e suas fugas para ouvir os passarinhos melodiar. O sentimento de pena que a autora nos faz sentir para com Davide é muito impactante. Um personagem que perdeu toda sua família no campo de concentração, perdeu todos seus amigos nas guerrilhas contra os fascistas e nazistas, perdeu seu único e último amigo verdadeiro de acidente, perdeu sua amante assassinada. Se entrega agora a profunda depressão, usando drogas, bebidas, desejando não viver mais. “A vida além morte seja a inexistência”, pelo fato que já sofreu demais durante sua vida. E se existe céu e inferno, ele certamente dizia – iria para o inferno é sofrer para sempre.
Davide sem dúvidas é o personagem mais surpreendente de toda trama. Seu discurso contra o fascismo e o poder como raiz de todos os males humanos é, magnífico. Todos deveriam ler, livros de época nós ilumina. Esclarece muitas questões.
Esperava um final bom. Porque desde a página 500, a narrativa segue entre passagens vazias de brincadeiras da criança Usep. E, sonhos motivados por alucinógenos do Davide, nosso nobre anarquista depressivo.
Devo dizer, o que foi isso. Muito tempo que um livro não consegue arrancar de mim emoções tão fortes, lágrimas e desespero para ler sem parar cada palavra, cada frase, cada página. As 50 últimas páginas, a narrativa fica freneticamente. E, você lendo e desejando não acontecer o que ficou óbvio nas últimas 100 páginas. Mas, de fato acontece, de uma maneira mais terrível ainda. Este grande livro, com um título instigante, “A História ” é justamente isso, uma Grande História, baseado em fatos. Com personagens tão vivos com suas personalidades profundas, sonhos, desejos e acima de tudo, as frustrações e humilhações. Acompanhamos a vida de Ida, no meio da segunda Guerra mundial. Lutando para cuidar do seu filho bastardo, que veio ao mundo por um ato terrível, um estrupo. Ida o ama, juntamente com seu primogênito Nino, que por diversas vezes, ajudava cuidar do pequeno Usep. Nino, se comporta com um típico adolescente encantado por seu Duce. E descobre da pior maneira que o venerável e infalível Duce é apenas um homem. Depois se torna nazista e também descobre que o Fuhrer é apenas um velho louco com uma loucura contagiante. Então vira guerrilheiro comunista e luta contra com os fascista e nazistas. Depois chega à conclusão que o Stálin é um sanguinário como os outros dois, o comunismo é apenas mais uma forma de governo que lidera pelo medo e terror, com uma máscara de boa civilização. Então vira anarquista e depois de tantos processos descobre que anarquismo nunca faria uma revolução. Se torna capitalista, depois de negócios e embates. Chega à conclusão que nenhum sistema vale a pena lutar e perde seu pouco tempo de vida. Que a verdadeira revolução como seu amigo Davide menciona, seria feita de dentro para fora de cada ser humano. Sem intervenção de sistemas e homens. Mas, infelizmente, a humanidade está longe de alcançar está iluminação. O livro, é de tirar o fôlego, narrativa de época, baseado em fatos, apresenta a todo momento o decorrer da segunda guerra mundial e seus acontecimentos terríveis, embates, revoluções, vitórias e derrotas. O final segue fiel a toda proposta do livro.
Algumas frases:
“As liberdades não são concedidas. Eles são levados.”
“O conhecimento é a honra do homem.”
“Muitos itens de notícias eram invenções de propaganda.”
“Para quem anda meio bêbado, todos os milagres, pelo menos por alguns minutos, são possíveis.”
“A câmara de gás é o único local de caridade no campo de concentração.”
“Não nos deixe cair em tentação significa: Ajude-nos a eliminar o fascista em nós!”
“Os vários tipos de violência, sendo que a pior violência contra o homem foi a degradação do intelecto.”
Leitura extra:
Caso alguém queira saber mais sobre a história e autora. Segue o link para uma reportagem.
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