A comédia animada "Desencanto" (Disenchantment), do gênio Matt Groening (criador de Os Simpsons e Futurama), chegou ao fim na Netflix após cinco temporadas, deixando no ar uma pergunta amarga: por que uma série com tanto apelo e o selo de um dos maiores nomes da animação não conseguiu a longevidade de suas irmãs mais velhas?

A jornada da Princesa Bean, do demônio Luci e do elfo Elfo pelo reino de Dreamland, repleta de piadas, trapalhadas reais e uma inesperada profundidade futurista, começou com um boom de audiência. Mas o que motivou a Netflix a investir tanto nessa animação, e o que fez o sucesso esfriar até o seu cancelamento (ou, mais precisamente, sua não-renovação)?

A Aposta de Risco da Netflix: Por Que Investir em Groening?

O lançamento de "Desencanto" em 2018 não foi apenas a estreia de uma nova série; foi uma declaração de intenções da Netflix. A plataforma estava disposta a competir de frente no nicho de animação adulta, um campo historicamente dominado por canais de TV a cabo.

  1. Credibilidade Instantânea: Contratar Matt Groening, um nome com um histórico de séries que duram décadas, deu à Netflix uma legitimidade que ela ainda construía nesse gênero. Era um sinal de que a plataforma levava o público adulto de animação a sério.
  2. A Fórmula do Humor Ácido: A série entregava o que o público esperava: humor ácido, sarcasmo (na figura de Luci), críticas sociais veladas e um toque de conteúdo sexual/adulto diluído na fantasia. O cenário medieval, misturado a toques steampunk e de ficção científica (Steamland), criava um universo vasto e atraente para o binge-watching.

A expectativa era clara: "Desencanto" seria o "Os Simpsons" da Netflix, uma fonte perene de conteúdo.

O Declínio da Curva: Sucesso na Estreia, Queda no Engajamento

"Desencanto" funcionou muito bem em suas primeiras "partes" (como as temporadas eram chamadas), mas analistas apontaram que o entusiasmo e o burburinho online diminuíram significativamente a partir da terceira temporada. O sucesso, que parecia garantido, enfrentou desafios:

  1. A "Maldição" da Serialização: Diferente de Os Simpsons e Futurama, que são majoritariamente episódicos, "Desencanto" apostou em uma narrativa seriada complexa. A história de Bean é uma longa jornada com lore denso e cliffhangers constantes. Para a Netflix, que valoriza a facilidade de novos usuários começarem a assistir a qualquer momento, essa complexidade se tornou um obstáculo para manter o engajamento de novos assinantes.
  2. Crise de Identidade: Enquanto a série era tecnicamente uma comédia, muitos episódios se aprofundavam no drama familiar e na trama política/mágica. Essa oscilação entre comédia non-sense e drama de fantasia dividiu a crítica, que demorou a encontrar o tom ideal da série.

O Algoritmo Implacável: Por Que a Não-Renovação?

A série não foi cancelada de forma abrupta, mas sim encerrada após cinco temporadas com um final planejado. A própria equipe criativa confirmou que conseguiu amarrar todas as pontas da história, sugerindo um desfecho que, se não foi o desejo de Groening por mais temporadas, foi, no mínimo, um acordo para dar um fim digno à Princesa Bean.

O motivo por trás de o sucesso não ter sido suficiente é o que move a máquina da Netflix: as métricas de custo-benefício.

Custos vs. Novas Assinaturas: Animações de alta qualidade, como as de Groening, têm um custo de produção elevado. A Netflix costuma medir o sucesso de uma série não apenas pela audiência total, mas pela taxa de conclusão da série e, crucialmente, pela sua capacidade de atrair novos assinantes ou reter os existentes de forma expressiva.

O Fim da Jornada: Se as métricas indicavam que a série já havia esgotado seu potencial de atrair novos viewers após as primeiras temporadas, e os custos para mais partes se mantinham altos, a decisão empresarial é encerrar o arco narrativo em vez de mantê-lo rodando indefinidamente, como ocorre com as séries de comédia episódicas.

"Desencanto" pode não ter atingido a longevidade de seus antecessores, mas encerra sua jornada com 50 episódios. Sua história serve de exemplo claro: na era do streaming, nem mesmo o legado de Matt Groening é imune às regras frias do algoritmo e da necessidade constante de renovação de catálogo.

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